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terça-feira, 26 de agosto de 2008

Uma palavra sobre educação: Festa no céu

Uma palavra sobre educação: Festa no Céu
Maria da Penha Brandim de Lima

A fábula todo mundo conhece. Houve uma festa no céu e todos os animais foram convidados, com exceção do sapo, que, tendo sido informado da causa de sua exclusão, ardilosamente a estendeu para o jacaré. O motivo era bem simples: bicho de boca grande não entra no céu. Quando criança, eu ria das vozes diferentes que meu pai fazia ao me contar essa história e refletia sobre ela, concluindo que bicho de boca grande não entrava na festa porque o céu é um lugar de paz e lá, as festas são comemorações elegantes, nas quais ninguém mastiga de boca aberta, não fala quando está comendo, não ameaça o próximo, não dá escândalos e sabe-se a hora de falar e a hora de calar. Sabe-se, inclusive, a hora de se retirar. Bicho de boca grande, falador e respondão, que não sabe se comportar, não tem lugar em espaços nos quais a ética é a Mestra de Cerimônias.
E por falar em gente elegante e deselegante e em céu, aproveito o efeito sonoro da palavra para contribuir com algumas reflexões. Em período eleitoral, o trampolim da Educação tende a ser bem freqüentado e dele, surgem idéias de mega construções coloridas que apareçam bastante e que supostamente resolverão os problemas do ensino. Vou entrar no mérito da questão.
Marta Suplicy (PT), em sua gestão como prefeita, criou os CEUs (Centros Educacionais Unificados), um projeto político pedagógico concretizado a partir de um plano de governo e que contava com a atuação de profissionais especializados nas diversas áreas, tendo em vista a integração da comunidade em espaços culturais e educativos a fim de minimizar as desigualdades sociais de acesso à cultura. Estamos falando da cidade de São Paulo, metrópole que é, com suas peculiaridades e problemas sempre maiores e mais urgentes, com grande demanda por ensino, cultura, esporte, lazer e possuidora de uma Rede Municipal de Ensino própria, que atende do Ensino Infantil à Educação Básica. O projeto, que não foi poupado de críticas, com a saída da ex-prefeita anda bem mirrado, segundo relatos de alguns educadores; surpreendentemente, a construção de Centros Educacionais surge agora com toda força, como Super Star das eleições, aclamada até pelos partidos que antes o rechaçaram.
Pra começar é preciso entender que as cidades são diferentes, suas necessidades também e, por isso, o poder público deve saber quais são as reais demandas de suas comunidades para não correr o risco de fazer como os maus estudantes que só sabem copiar: “colam” o que outros idealizaram para situações específicas de suas comunidades. Sugiro que proponhamos uma questão simples ao candidato que aparecer em nossa porta: qual é o plano de governo específico para nossa comunidade, visando ao bem estar e ao desenvolvimento integral dos jovens? É bom lembrar que plano não é intenção. Planos têm, entre outros aspectos, cronogramas, prazos, orçamentos e levantamento de recursos necessários.
Os educadores já têm visto de tudo: redução e aumento de carga horária, do calendário escolar, da matriz curricular, mudanças nas nomenclaturas, diferentes propostas curriculares etc, enquanto as avaliações institucionais nacionais e internacionais continuam confirmando a continuidade dos baixos resultados de aprendizagem em nosso país. Por outro lado, estudos recentes demonstram que escolas menores, com redução do número de alunos e com uma equipe profissional bem preparada apresentam melhores resultados de aprendizagem, ou seja, escolas bem planejadas, com crianças estudando perto de suas casas, sem o desgaste do deslocamento, tendem a contribuir para a construção da identidade do aluno, proporcionam maior atenção das equipes pedagógicas e obtém melhores resultados escolares.
O mundo do trabalho do novo milênio requer uma formação abrangente e de qualidade, com formação continuada, atualização permanente, pessoas dinâmicas e bem qualificadas, o que implica muito mais que carga horária extensa, num currículo bonitinho.
Para isso, urge que os administradores públicos invistam na implantação de Escolas Técnicas, Faculdades, Bibliotecas, Centros de Língua e de Informática, evitando a exclusão social. Hoje, muitos daqueles que querem continuar os estudos têm que se deslocar para outras cidades, arriscando-se no trânsito caótico das rodovias. O que falar então, dos portadores de necessidades especiais?
A falta de perspectivas para adolescentes e jovens, a ausência de sonhos, de objetivos, constituem um duplo problema porque têm levado muitos meninos e meninas às drogas, à prostituição e à marginalidade e porque o despreparo acadêmico e profissional lhes produzirá um futuro, no mínimo, opaco.
É bom lembrar que o gestor público é um dos responsáveis pelo preparo para o futuro da sociedade. Educação não é brincadeira e eleição não é festa, se fosse, gente bem conhecida seria logo barrada porque não tem postura adequada e não percebe os reflexos de suas atitudes para o amanhã.
Não sei muitas coisas, mas imagino que, além do tamanho da boca, com um peso desses nas costas, pouca gente entraria no céu.

Maria da Penha Brandim de Lima é Doutoranda e Mestra em Língua Portuguesa pela PUC/SP, Professora do Ensino Superior nos Cursos de Letras e Pedagogia e Diretora de Escola da Rede Pública Estadual de Ensino.

Um comentário:

Anônimo disse...

Cabe aqui mais uma reflexão:


A Educação e a Política*

Texto publicado como Prólogo da Revista "Carta': falas, reflexões, memórias", nº 15 (1995-2), 1995

A rica direita brasileira, desde sempre no poder, sempre soube dar, aqui ou lá fora, a melhor educação a seus filhos. Aos pobres dava a caridade educativa mais barata que pudesse, indiferente à sua qualidade (...)

A primeira Lei de Diretrizes e Bases, que fui obrigado a pôr em prática como Ministro da Educação que era então, 1961, cumpriu o triste papel de piorar a educação brasileira. Isso ocorreu em razão da vitória da direita, encarnada por Carlos Lacerda e Dom Helder Câmara, contra a esquerda liderada por Anísio Teixeira. Com efeito, a nova Lei, em nome da democratização, liquidou com o sistema de formação do magistério primário com que contavam todos os estados brasileiros na forma de institutos públicos capazes de dar formação teórica e prática a seu magistério. A nova lei abriu a quem quisesse a liberdade de criar escolas normais, quase sempre com propósito puramente mercantil, convertendo-as em meros negócios. O êxito numérico foi grande, as escolas multiplicaram-se aos milhares, mas o efeito educacional foi o mais grave, porque elas degradaram o ensino normal ao mais baixo nível. Hoje, nosso professorado é formado numa das disciplinas falsamente profissionalizadoras, ministradas no nível médio, quase sempre em cursos noturnos, de onde sai praticamente analfabeto e incapaz de ensinar.

A mesma lei, e a legislação educacional que se seguiu, orientou-se por critério idêntico e teve igual efeito no nível superior. Em lugar de forçar a ampliação das matrículas nas Faculdades Públicas que contavam com bons professores, laboratórios e bibliotecas, concedeu liberdade total para converter o ensino superior em negócio. Assim é que as matrículas saltaram de menos de 100 mil a mais de 1.500 mil, mas concentrou 70% delas em escolas privadas, a maioria das quais incapazes de ministrar qualquer ensino eficaz. Em conseqüência, precisamente o alunado mais pobre e mais necessitado de ajuda paga caro por cursos ruins, degradando-se cada vez mais a qualidade dos corpos profissionais com que conta o país. Nunca coisa tão grave ocorreu em qualquer país do mundo. Mas esta foi a solução que a direita toda-poderosa, sobretudo quando estruturada como ditadura militar, impôs ao Brasil.

Assim, chegamos à situação calamitosa de uma Educação Primária que produz mais analfabetos que alfabetizados; de uma Escola Média que não prepara ninguém para prosseguir os estudos na universidade, nem para o trabalho especializado; e de uma Escola Superior igualmente ruim em que, na maior parte dos casos, o professor faz de conta que ensina e o aluno faz de conta que aprende.

Nenhum desses problemas terá solução se continuarmos trotando pelos mesmos caminhos direitistas, indiferentes à educação popular e ao progresso do país. É indispensável para o Brasil, como o foi para todos os povos que deram certo realizando suas potencialidades, empreender um grande esforço nacional no sentido de alcançar algumas metas mínimas no campo da educação popular.

Primeiro
Criar escolas de dia completo para alunos e professores, sobretudo nas áreas metropolitanas, onde se concentra a maior massa de crianças condenadas à marginalidade porque sua escola efetiva é o lixo e o crime. O que chamamos de menor abandonado e delinqüente é tão-somente uma criança desescolarizada, ou que só conta com uma escola de turnos.


Segundo
Instituir progressivamente Escolas Normais Superiores e Institutos Superiores de Educação que formem um novo professorado devidamente qualificado pelo estudo e treinamento em serviço para o exercício eficaz do magistério.


Terceiro
Dar ao novo professorado primário e médio, devidamente preparados, condições aceitáveis de trabalho em tempo completo, com salário dobrado e mais um suplemento de 20%.


Quarto
Ampliar o acesso ao Cursos Técnicos para que neles tenha ingresso qualquer pessoa que possa cursá-los com proveito, sem quaisquer exigências acadêmicas.


Quinto
Instituir nas universidades cursos que formem a base de estudos pedagógicos, e sobretudo da prática educativa, tanto Professores de Turma para ensinar de primeira a quinta série primária, como Professores de Matéria para as séries seguintes. Necessitaremos, pelo menos, de um milhão de novos professores na próxima década para repor os aposentados e para ampliar o sistema, e se eles forem formados como agora, a educação brasileira continuará fracassando.


Sexto
Criar universidades especializadas em Ciências da Saúde, nas Tecnologias ou nas Ciências Agrárias e em outros ramos do saber, dotando-as de recursos para pesquisar e procurar solução para os problemas brasileiros.


Sétimo
Passar a contratar nas faculdades públicas professores por matéria e não por disciplina, com obrigação de ministrar o mínimo de 10 horas de ação docente semanal junto aos alunos e de ensinar diversas disciplinas.


Oitavo
Desobrigar o professor de nível superior a simular a realização de pesquisas para ter o salário aumentado (20 a 40 horas nominais) e apoiar, substancialmente, a pesquisa autêntica, seja científica, seja tecnológica. Simultaneamente se deve valorizar e remunerar o Magistério em si, independentemente de qualquer programa de pesquisas, como atividade indispensável à Nação e altamente meritória.


Nono
Criar Cursos de Seqüência que dêem direito a Certificado de Estudos Superiores a quem cursar mais de cinco matérias correlacionadas. Só assim se poderá superar o sistema tubular de nossas universidades, preparadas para formar apenas algumas dezenas de profissões à base de um currículo mínimo prescrito, quando uma sociedade moderna necessita de mais de duas mil modalidades de formação superior para funcionar eficazmente na nova civilização.


Outras
Mutíssimas outras providências e inovações são indispensáveis para que os brasileiros ingressem definitivamente na civilização letrada, com capacidade de alcançar um desenvolvimento auto-sustentado. Para tanto é indispensável jugular a formação de novos analfabetos. Esse esforço poderia ter início pondo em marcha a Década da Educação, instituída pela Constituição Federal,

fazendo os prefeitos recensear todas as crianças que vão completar sete anos de idade para entregá-las aos cuidados de boas professoras devidamente ajudadas pelo Estado e pela União;
recensear também os jovens que completam 14 e 16 anos, insuficientemente escolarizados, para inscrevê-los em cursos de Educação à Distância, ministrados através de textos escritos para estudar em casa e da ajuda de programas de televisão educativa, proporcionados pelo Ministério da Educação.

Somente a esquerda poderá enfrentar esse desafio. Para isso, entretanto, é indispensável que ela se arme da mais viva indignação contra o atraso e a fome desnecessárias a que é submetido o povo brasileiro, sobretudo a infância. É indispensável também que essa nova esquerda alcance a necessária lucidez para desmascarar e enfrentar a trama direitista de interesses setoriais, corporativos e privatistas, que condena nosso povo à fome e ao analfabetismo.

O substitutivo que ofereci ao Projeto de Lei de Diretrizes e Bases elaborado na Câmara dos Deputados, uma vez aprovado, criará condições para que se efetive essa mobilização nacional contra o atraso. Trata-se de um projeto síntese que aproveita as melhores contribuições dos anos de discussão no Congresso e das centenas de sugestões dadas por toda sorte de instituições nacionais para evitar que a nova Lei Geral da Educação venha a congelar o péssimo sistema educacional que temos e com ele condene nosso povo ao fracasso na história.

Quem não luta seriamente por essas reivindicações mínimas de uma educação popular democrática ajuda a direita a manter nosso povo condenado a viver à margem da civilização letrada, sofrendo as conseqüências do desemprego e de uma fome e ignorância crescentes.

Comprovam esse pendor das elites brasileiras a descurar da educação popular a destruição perversa da reforma educacional de Anísio Teixeira; experiência estudada até hoje como o melhor esforço que se fez no Brasil para criar a escola primária média e superior de que necessitamos.

O mesmo ocorreu mais feiamente, com a equipe a que Marcelo Alencar entregou a educação no Rio de Janeiro. Ela se ocupou devotadamente a reverter à rede comum de escolas de turno os 400 CIEPs que deixamos funcionando e que absorvia ¼ do alunado do Estado, ou seja, 340 mil crianças em cursos de dia completo que vinham alcançando enorme êxito. Comprovavam que efetivamente com escolas adequadas o alunado oriundo das camadas mais pobres, mesmo que tenha sofrido anos de subnutrição e violência, pode ser recuperado e completar os estudos de 1º grau.

Nós educadores precisamos estar atentos também para as nossas culpas. Sempre que um Governo elitista abocanha o poder encontra falsos educadores prontos a reimplantar a escola pública corrente que não alfabetiza nem educa as crianças pobres. Isto é feito por ignorância, por adulação aos poderosos do dia e, sobretudo, pelo pendor direitista da pedagogia vadia que se pratica entre nós. Ela sustenta que o sistema escolar de turnos é auto-corretivo e através de seu próprio funcionamento superará suas deficiências.

Não é verdade! Só uma escola nova, concebida com o compromisso de atender as condições objetivas em que se apresenta o alunado oriundo das classes menos favorecidas, educará o Brasil. Só uma escolarização de dia completo, com professores especialmente preparados e de rotina educativa competentemente planejada, acabará com o menor abandonado, que só existe no Brasil. Assim é porque só aqui se nega à infância pobre a escola que integrou na civilização letrada a infância de todas as nações civilizadas.

Darcy Ribeiro, setembro de 1995